sexta-feira, 25 de março de 2011

O encontro entre uma samaritana e um judeu

Lopes, Mesters e Orofino


Os samaritanos eram desprezados pelos judeus. Este desprezo vinha de longe, desde o século VIII antes de Cristo (2Rs 17,24-41), e transparece em alguns livros do Antigo Testamento. O livro do Eclesiástico, por exemplo, fala de um ‘povo estúpido que mora em Siquém, que nem sequer é nação" (Eclo 50,25-26). Muitos judeus da Galiléia, quando viajavam para Jerusalém, não passavam pela Samaria. O Evangelho de João mostra Jesus fazendo o contrário, passando pela Samaria e acolhendo os samaritanos. Por causa disso, era criticado pelos judeus, que o xingavam de "samaritano, possesso de demônio" (Jo 8,48). Depois da ressurreição, os seguidores e as seguidoras de Jesus, superaram seus preconceitos e anunciaram a Boa Nova aos samaritanos (At 8,4-8). Nas ‘comunidades do Discípulo Amado' havia muitos samaritanos.

1. João 4,1-6: O palco onde se realiza o diálogo entre Jesus e a samaritana

Quando Jesus percebe que os fariseus poderiam irritar-se com a sua atividade batismal, ele sai da Judeia e volta para a Galileia. Deste modo, evita uma briga religiosa (Jo 4,1-3). Voltando para a Galileia, Jesus passa pela Samaria. Por volta do meio-dia, ele chega junto do poço de Jacó. Cansado da viagem, senta perto do poço, onde a samaritana vai encontrá-lo. O poço era o lugar tradicional de encontros e de conversas. Hoje, seria a praça, o bar, a rodoviária, o shopping... E lá, perto do poço, que começa a longa e difícil conversa que foi de muito proveito para ambos.

2. João 4,7-15: Primeira parte do diálogo: a conversa em torno da água ou do trabalho

Água, corda, balde e poço eram os elementos que marcavam o mundo do trabalho da samaritana. É Jesus que toma a iniciativa do diálogo. Ele parte da necessidade bem concreta da sua própria sede e diz: "Dá-me de beber!" Pela pergunta a samaritana descobre que Jesus precisa dela para ele poder resolver o problema da sua sede. Assim, Jesus desperta nela o gosto de ajudar e de servir. Desde o começo da conversa, Jesus usa a palavra água nos dois sentidos. No sentido normal: água que mata a sede; e no sentido simbólico; água como fonte de vida e como dom do Espírito Santo, prometido no Antigo Testamento (Zc 14,8; Ez 47,1-12). Desde o começo da conversa, a samaritana entende a palavra água no seu sentido normal de água que mata a sede do corpo. Existe uma tensão entre os dois. Jesus tenta ajudar a samaritana a passar para um outro nível de entendimento. A samaritana, por sua vez, procura levar Jesus a entender as coisas conforme o sentido que elas tem no dia-a-dia. Por isso, por esta porta da água ou do trabalho, Jesus não conseguiu comunicar-se com ela e a conversa não avançou.

3. João 4,16-18: Segunda parte do diálogo: a conversa em torno do marido ou da família

Jesus tenta estabelecer contato por uma outra porta. Ele diz: "Vá buscar seu marido!" É a porta da família. Mas também aqui ele encontra a porta fechada. A samaritana responde secamente: "Não tenho marido!" Jesus diz: "Você falou bem. Você teve cinco maridos e o que tem agora não é o seu marido!" Os cinco maridos evocam simbolicamente os cinco ídolos do povo samaritano (2 Rs 17,29-30). Aquele com quem ela convive agora, ou seja, o sexto a que Jesus alude, talvez seja João Batista, venerado como messias, ou a fé diferente dos samaritanos em Javé. O Quarto Evangelho sugere discretamente que o sétimo é o próprio Jesus, o messias, o esposo que o povo estava esperando.

4. João 4,19-24: Terceira parte do diálogo: a conversa em torno do lugar da adoração

Finalmente, por causa da resposta recebida, a samaritana identifica Jesus e diz: ‘Vejo que o senhor é um profeta". Neste momento, ela se situa na conversa e começa a tomar a iniciativa. Muda o rumo do diálogo e puxa o assunto para a religião: onde adorar a Deus? Lá em Jerusalém ou aqui no Monte Garizim? Os samaritanos tinham construído um templo no Monte Garizim que ficava perto do poço onde eles estavam conversando. Jesus entra pela porta que a mulher abriu. Primeiro, ele relativiza o lugar do culto: nem aqui nem lá! Neste ponto, os judeus não têm nenhum privilégio. Em seguida, esclarece que tanto judeu como samaritano, ambos adoram a Deus. A diferença é que os judeus adoram o que conhecem. Os samaritanos adoram o que (ainda) não conhecem, "porque a salvação vem dos judeus", mas não se restringe a eles. E Jesus termina dizendo que chegará o tempo em que se poderá adorar a Deus em qualquer lugar, contanto que seja "em espírito e verdade".

5. João 4,25-26: A revelação: "O Messias sou eu que estou conversando contigo!”

A samaritana muda novamente o rumo da conversa e puxa o assunto para a esperança messiânica do seu povo: "Sei que vem um Messias. Quando ele vier, vai nos mostrar todas essas coisas!" Novamente, Jesus aceita a mudança do rumo da conversa, entra pela porta que a samaritana abriu e se apresenta: o Messias "sou eu que estou conversando contigo!" A esta mulher, excluída e herética para os judeus da época, Jesus revelou, por primeiro, a sua condição de Messias! Enquanto ele mesmo tomava a iniciativa, a conversa não avançava. Ela só avançou e atingiu o seu objetivo a partir do momento em que a samaritana se situou e começou a tomar a iniciativa. Será que nós temos a mesma coragem de deixar ao outro a iniciativa, o rumo da conversa?

6. João 4,27-30: A transformação que o diálogo realiza na samaritana

Os discípulos tinham ido ao povoado comprar alimento (Jo 4,8). Retornando, encontram Jesus conversando com uma mulher. Estranharam, mas não disseram nada. Então, a samaritana largou o balde perto do poço e voltou sem água para o povoado. Já não precisava da água do poço de Jacó, da antiga Lei. Ela havia encontrado a fonte da água que brotava dentro dela para a vida eterna (Jo 4,14). Chegando no povoado, ela anuncia Jesus: "Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! Será que ele é o Messias?" O resultado deste difícil diálogo parece muito reduzido. Jesus só conseguiu provocar uma pergunta na mulher: ‘Será que ele é o Messias?" Talvez seja este o resultado mais positivo que se possa imaginar! Jesus não dá respostas. Ele levanta perguntas que levam a pessoa a refletir sobre o sentido da vida.

7. João 4,31-38: A transformação que o diálogo realiza em Jesus

Mesmo correndo o risco de não obter nenhum resultado, Jesus não se impôs nem condenou a mulher, mas respeitou-a profundamente. Durante a conversa, ele não se fechou dentro da sua religião nem dentro da sua raça, mas se orientava por aquilo que ele mesmo ia aprendendo da própria samaritana. No fim, esqueceu até da comida que os discípulos tinham trazido, pois prestava atenção ao que o Pai lhe tinha a dizer através da conversa com a samaritana: ‘Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e completar a sua obra!" (Jo 4,34). Jesus lê os fatos com outros olhos. Para os judeus, os samaritanos eram um povo a ser desprezado. Para Jesus, eles são um campo fértil, pronto para a colheita (Jo 4,35). Ele descobre que, na vida da samaritana, pessoa não judia e não praticante, existe o dom de Deus" (Jo 4,10). A Boa Nova de Deus existe na vida de todas as pessoas. Os discípulos e as discípulas não são os donos da Boa Nova. Devem ser servidores, instrumentos. Sua missão é ajudar as pessoas a descobrir o dom de Deus dentro das suas vidas.

O artigo aqui apresentado encontra-se no livro Raio-X da Vida de Carlos Mesters, Francisco Orofino e Mercedes Lopes - Sexta-feira, 25 de março de 2011
CEBI - Centro de Estudos Bíblicos

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